Educação Nutricional para Adolescentes com Diabetes Mellitus Tipo 1: Relato de Experiência

Seg, 22 de Março de 2010 15:01

Bruna Martins Lima 1 e Ana Carolina Almada Colucci Paternez 2

1 Nutricionista graduada pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul

2 Doutora em Saúde Pública. Docente da Universidade Municipal de São Caetano do Sul


1. INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome de múltiplas causas, decorrente da falta ou incapacidade da insulina exercer seus efeitos e caracterizada por hiperglicemia crônica com distúrbios do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas 1. É uma doença considerada prioritária para o Ministério da Saúde, pois têm grande incidência na população e pode causar enfermidades, como problemas cardíacos, acidente vascular cerebral e insuficiência renal 2.

Em 2002, os casos de diabetes levaram 36.631 brasileiros à morte. O diabetes também causa mais mortes que a soma dos óbitos por câncer de mama (9.082 óbitos), câncer da próstata (8.389) e leucemia (4.816) no Brasil, no período de um ano 2.

O manejo do diabetes deve ser feito dentro de um sistema hierarquizado de saúde, sendo sua base o nível primário. Na prestação de serviços apropriados para os diabéticos, é preciso levar em consideração os principais componentes do sistema de saúde, especialmente a determinação das necessidades e dos recursos locais; o consenso sobre normas de atenção; os mecanismos para aplicar os últimos avanços das investigações e a utilização de todos os profissionais de saúde; e a contínua avaliação da efetividade e de qualidade do tratamento dos pacientes 3.

A educação é a chave mestra para melhorar a qualidade de vida do indivíduo, principalmente quando é portador de uma doença crônica como o diabetes mellitus. É importante acompanhar o tratamento e a forma de convivência do indivíduo com a sua doença 4.

Educar um diabético é um investimento benéfico tanto para o paciente quanto para os profissionais da equipe de saúde. É um processo que exige uma equipe de profissionais trabalhando juntos, de forma coordenada, contribuindo com os serviços especializados que possam ser necessários no auxílio do tratamento continuado ao diabético. Os educadores em diabetes têm como responsabilidade “lapidar as arestas” que impossibilitam o paciente atingir mudanças de comportamento, alcançar o bom controle metabólico e melhorar a qualidade de vida, convivendo melhor no seu dia-a-dia. Estudos comprovam que, atingindo um bom controle ao longo da vida, as complicações do diabetes mellitus podem ser retardadas e até evitadas5. Neste cenário, os objetivos deste estudo foram desenvolver e aplicar um programa de educação nutricional para adolescentes portadores de diabetes mellitus tipo 1 atendidos em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no município de São Caetano do Sul- SP.


2. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de delineamento longitudinal de intervenção realizado entre junho a agosto de 2009, com 10 adolescentes com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1, com idade entre 10 e 19 anos, de ambos os sexos, freqüentadores de Unidades Básicas de Saúde do município de São Caetano do Sul – São Paulo. Foram excluídos os pacientes que não preencheram corretamente o questionário e que não obtiveram 100% de presença nos encontros educativos.

A educação em grupo incluiu três encontros que ocorreram a cada três semanas, com duração de 1h30min por encontro, realizados na própria unidade de saúde. Em todos os encontros, havia a presença da própria pesquisadora, responsável pela condução das atividades do grupo, além da médica responsável pelo grupo educativo.

Para o diagnóstico inicial dos conhecimentos dos participantes acerca da doença e dos cuidados alimentares adequados à sua situação clínica, foi aplicado no primeiro encontro um questionário para avaliar o conhecimento dos adolescentes com diabetes mellitus, especialmente estruturado para esta pesquisa. Tal instrumento continha variáveis de composição familiar, idade de diagnóstico da doença, conhecimentos sobre atividade física, medicamentos, exames preventivos e alimentação.

As perguntas do questionário sobre alimentação foram elaboradas a partir de informações obtidas através de consulta aos documentos educativos propostos pela Sociedade Brasileira de Diabetes6,7. Tais perguntas, fechadas e de múltipla escolha, se referiam às principais dúvidas apontadas pelos pacientes diabéticos acerca dos cuidados com a alimentação.

Após o preenchimento do questionário, foram identificadas as principais dúvidas existentes na população e, a partir dos resultados obtidos, foi elaborado o plano educativo. As estratégias selecionadas para o plano educativo foram preleção, discussão entre os participantes sobre os assuntos abordados e atividades práticas.

Após a intervenção educativa, foi aplicado novamente o questionário inicial, para avaliação da mudança do grau de conhecimento dos participantes.

No que se refere aos aspectos éticos, no início da entrevista, os pais e pacientes foram esclarecidos quanto ao objetivo do estudo, sendo que os pais que concordaram em participar assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com as Normas e Diretrizes Éticas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1       Diagnóstico inicial

Fizeram parte do estudo 10 adolescentes, sendo dois do sexo feminino e oito do sexo masculino. A maioria tinha entre 10 e 13 anos de idade e todos residiam com os pais.

Questionados sobre o conhecimento de exames preventivos que devem ser feitos por pacientes portadores de diabetes mellitus, 80% responderam não conhecer quais os exames necessários e 20% relatou conhecer os exames. Sobre a prática de atividade física, observou-se que 60% não praticavam nenhum tipo de atividade. Entre os praticantes, os esportes mais citados foram futebol e natação, em média 2 vezes por semana, 1 hora por dia. Estudo realizado por Knuth8 demonstra que a constatação do baixo conhecimento sobre os benefícios da atividade física na prevenção e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis merece maior atenção dos programas de promoção à saúde para a conscientização da importância na redução de complicações, visando a melhora das condições de saúde, promoção da qualidade de vida e redução de gastos públicos paliativos com o tratamento destas doenças.

Questionados sobre a exclusão de algum alimento desde o diagnóstico do diabetes, 50% dos pacientes afirmou ter excluído alimentos da dieta, sendo relatados principalmente açúcar, massas e doces. Para a maioria, seguir a dieta recomendada parece ter o significado de “perder o prazer de comer e beber”, assim como a “perda da liberdade”, sendo que 08 adolescentes relataram não conseguir seguir a dieta corretamente.

Foi ainda questionada qual a percepção dos participantes sobre alimentação saudável no contexto do diabetes. Do total, 08 adolescentes referiram que alimentação saudável é não ingerir nenhum alimento que contém açúcar e 02 responderam que uma alimentação saudável deveria conter somente frutas, verduras e legumes. Segundo Guimarães e Takayanagi9 em estudo sobre orientação recebida após diagnóstico de DM, somente 3% dos pacientes afirmam ter recebido algum tipo de orientação sobre alimentação sendo que os restantes 97% não receberam nenhum tipo de orientação sobre mudança de estilo de vida que incluísse a adoção de um plano alimentar saudável.

Entre o grupo avaliado, 90% dos pacientes responderam que ingerem eventualmente alimentos que deveriam, segunda a sua percepção, ser excluídos da dieta, sendo os mais mencionados biscoitos, balas, iogurtes, pizzas e fast food.

Questionados sobre o que fazer nos episódios de hipoglicemia, 80% dos participantes informaram que a conduta correta é comer doces em qualquer quantidade. Observou-se que os pacientes mencionaram ficar satisfeitos quando ocorre a hipoglicemia por julgarem que, neste momento, podem comer tudo o que têm vontade de forma descontrolada. Segundo relato das mães, elas mesmas aproveitam o momento da hipoglicemia para oferecer alimentos variados e em grande quantidade como, por exemplo, iogurte do tipo petit suisse, doces e chocolates. Assim, o conhecimento sobre a atitude a ser tomada no momento da hipoglicemia se mostrou insuficiente no grupo estudado.

Além da pergunta acerca dos procedimentos a serem adotados em caso de hipoglicemia, foi também investigado o conhecimento dos participantes no que se refere ao comportamento mais adequado quando identificada hiperglicemia. Sete adolescentes responderam, de forma correta, que no momento da hiperglicemia devem usar a insulina e continuar normalmente com a alimentação; um mencionou achar adequado praticar atividade física quando em hiperglicemia e dois apontaram que a conduta correta é usar a insulina e mudar a alimentação ingerindo apenas verduras.

Do total de adolescentes investigados, 60% dos participantes referiram não existir nenhum alimento que eles tenham vontade de comer, porém estão proibidos devido à doença. Ainda, um participante mencionou achar correta a afirmação de que o consumo de carne é livre, 04 afirmaram que podem comer à vontade frutas, legumes e verduras e 05 adolescentes afirmaram que não podem consumir nenhum alimento à vontade.

Questionados sobre o tipo de alimento que os pacientes portadores de diabetes podem consumir, 40% dos adolescentes referiram somente poder consumir alimentos diet, 20% afirmaram só poder consumir alimentos light, 10% afirmaram só poder consumir alimentos naturais e 30% afirmaram que podem consumir todos os tipos de alimentos. Segundo Azevedo10 a tendência entre os diabéticos é considerar uma alimentação saudável aquela que inclui somente alimentos diet e light, restrita em sal e açúcar e com baixa densidade energética.

Também foi questionado o hábito alimentar dos adolescentes quando participam de eventos sociais, como festas. Neste caso, 90% relataram comer de forma controlada nestas ocasiões.

3.2 Intervenção

Após diagnóstico nutricional foram propostas ações educativas em Nutrição. O programa de educação nutricional em diabetes foi sistematizado por meio de estratégias pedagógicas de educação em grupo, constituído por intervenções voltadas para três temas principais: diferença qualitativa dos tipos de carboidratos, consumo de alimentos diet e light e interpretação de informações nutricionais presentes nos rótulos dos produtos alimentícios. Tais conteúdos foram selecionados a partir da identificação diagnóstica do grau de conhecimento prévio dos adolescentes e a fundamentação teórica para os temas abordados se baseou nos materiais educativos disponibilizados pela Sociedade Brasileira de Diabetes: Manual de nutrição para profissionais de saúde, Manual de nutrição para o público e Manual oficial de contagem de carboidratos para profissionais da saúde6,7,11.

O processo educativo foi enriquecido com o uso de recursos visuais (figuras, fotografias de alimentos) e materiais de apoio – como rótulos de produtos alimentícios, por exemplo – com o objetivo de facilitar a aquisição de conhecimentos e intensificar as trocas de saberes. Durante os encontros, foram também feitas pelo pesquisados perguntas sobre as expectativas dos adolescentes diante da vida e do tratamento, de forma a alcançar a educação por meio do diálogo. A atuação da equipe educativa nos grupos buscou o desenvolvimento dos temas de forma integrada, contribuindo para a interação e o reforço de conteúdos durante as intervenções.

No primeiro encontro foram discutidos conceitos de alimentação saudável e consumo adequado de macronutrientes, com especial ênfase aos tipos de carboidratos, suas funções, ingestão recomendada, efeitos na glicemia e exemplos de alimentos-fonte. No segundo encontro, que abordou o tema de alimentos diet e light, foram esclarecidas as diferenças conceituais bem como a indicação de uso de alimentos para fins especiais. No último encontro, utilizaram-se como referenciais teóricos os materiais elaborados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária12 para orientação sobre rotulagem de alimentos. Foi também, neste encontro, realizada uma atividade prática de interpretação de rótulos de diferentes alimentos trazidos pela pesquisadora, seguida de uma discussão sobre as escolhas alimentares mais adequadas segundo valor nutricional dos alimentos. Durante todos os encontros, foram esclarecidas dúvidas gerais dos adolescentes sobre o diabetes e os comportamentos diários para o tratamento da doença, bem como discutidos diversos mitos sobre alimentação.

3.3 Avaliação

No último encontro, após a atividade educativa, o mesmo questionário inicial foi aplicado para reavaliar o conhecimento dos pacientes após o programa de Educação Nutricional. A Tabela 1 mostra o percentual de acertos do questionário antes e após as ações de educação nutricional.

Tabela 1. Aumento percentual de acertos dos adolescentes no questionário, antes e após intervenção educativa em Nutrição nutricional. São Caetano do Sul, 2009.

Dados do questionário Nº de acertos antes da intervenção nutricional Nº de acertosapós intervenção nutricional Aumento percentual de acertos
Conhecimento sobre exames preventivos 2 2 0
Conhecimento sobre a necessidade de exclusão de alimentos da dieta 5 6 20%
Opinião sobre conceito de alimentação saudável 8 10 25%
Avaliação sobre comer o que acha que não deve 1 9 800%
Conhecimento sobre o que fazer quando ocorre hipoglicemia 2 10 400%
Conhecimento sobre o que fazer quando ocorre hiperglicemia 7 10 43%
Conhecimento sobre quais alimentos podem ser consumidos sem restrição quantitativa 2 8 300%
Conhecimento sobre os alimentos a serem consumidos por diabéticos 3 10 233%
Conhecimento sobre o comportamento alimentar adequado em eventos especiais 9 9 0%

Os resultados apresentados apontam melhora do grau de conhecimento dos adolescentes para a maioria das questões apresentadas, com exceção do conhecimento sobre exames preventivos e comportamento alimentar adequado em ocasiões especiais. No que se refere aos exames preventivos, pelo fato deste tema não ter sido especificamente abordado nos encontros, não foi observado aumento do grau de conhecimento entre os adolescentes. Quanto ao comportamento alimentar adequado em ocasiões especiais, a aplicação do questionário apontou elevado grau de conhecimento inicial entre o grupo, que não foi modificado após a intervenção.

As estratégias adotadas nas sessões da educação em grupo demonstraram ter sido eficazes, considerando que, ao final, quase a totalidade dos adolescentes adquiriu conhecimentos adequados sobre alimentação e formas de lidar com as situações frequentemente enfrentadas no convívio diário com a doença (hipoglicemia e hiperglicemia).

Assim, as ações propostas proporcionaram um incentivo para a educação em diabetes, uma vez que foram interativas, valorizando o relato das experiências dos próprios participantes e permitindo a todos um processo integrador para um melhor controle terapêutico da doença. A utilização de recursos auxiliares e de uma linguagem apropriada na prática educativa, com ênfase às mudanças de atitude pelos adolescentes, teve por objetivo fortalecer e encorajar a decisão de sustentarem o regime terapêutico.

As limitações do presente estudo incluem o pequeno número de participantes e o curto período de acompanhamento para a avaliação do programa educativo. Entretanto, considerando que a proposta atual foi capaz de proporcionar melhora no grau de conhecimento dos adolescentes, espera-se que, aumentando o período de seguimento e o número de participantes, tais benefícios possam também ser observados em ambientes e grupos semelhantes. Ainda, cabe salientar que, para este grupo, são necessárias ações educativas futuras que abordem informações detalhadas sobre os exames preventivos necessários para o indivíduo com diabetes.


4. CONCLUSÃO

Em conclusão, o presente estudo apresenta a estruturação de um programa educativo para adolescentes com diabetes mellitus e se mostrou útil para melhoria do grau de conhecimento dos participantes sobre a doença e a adoção de uma alimentação adequada.

A educação se mostra essencial no controle do diabetes mellitus e consiste em um processo contínuo de alteração de hábitos de vida que requer tempo, espaço e planejamento sendo, portanto, fundamental uma terapêutica eficaz que abrange insulinoterapia, mudança de hábitos de vida e educação continuada.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Oliveira, JEP, Milechi J. Diabetes Mellitus: clínica, diagnóstico, tratamento. São Paulo: Atheneu, 2004.
2. Brasil, Ministério da Saúde: Epidemiologia em Diabetes Mellitus, disponível em: [http://portal.saude.gov.br/portal/saud]

3. Assunção MCF, Santos IS, Gigante DP. Atenção Primária em Diabetes no Sul do Brasil: Estrutura, Processo e Resultado. Rev Saúde Pública 2001; 35(1): 88-95.
4. Negrato CA. Diabetes: educação em saúde. São Paulo: EDUSC, 2001.

5. Almeida, HGG . Diabetes Mellitus: Uma Abordagem Simplificada para profissionais de saúde. São Paulo:  Atheneu; 2000.
6. Sociedade Brasileira de Diabetes. Manual de nutrição para profissionais de saúde. São Paulo: Sociedade Brasileira de Diabetes; 2009 [acesso em 15 set 2009]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/livros-e-manuais/550

7. Sociedade Brasileira de Diabetes. Manual de nutrição para o público. São Paulo: Sociedade Brasileira de Diabetes; 2009 [acesso em 15 set 2009]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/livros-e-manuais/549

8. Knuth AG., Bielemann RM, Silva SG, Borges TT, Del Duca GF, Kremer MM. Conhecimento de adultos sobre o papel da atividade física na prevenção e tratamento de diabetes e hipertensão: estudo de base populacional no Sul do Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25(3): 513-520.

9. Guimarães FPM, Takayanagi ANM. Orientações recebidas do serviço de saúde por pacientes para o tratamento de diabetes mellitus. Rev Nutr 2002; 15(1): 37-44.

10. Azevedo E. Reflexões sobre riscos e o papel da ciência na construção do conceito de alimentação saudável. Rev. Nutr. 2008; 21(6): 717-723.

11. Sociedade Brasileira de Diabetes. Manual oficial de contagem de carboidratos para profissionais da saúde. São Paulo: Sociedade Brasileira de Diabetes; 2009 [acesso em 15 set 2009]. Disponível em: http://www.diabetes.org.br/attachments/246_manual_oficial_contagem_carboidratos_2009.pdf

12. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Rotulagem nutricional obrigatória: manual de orientação aos consumidores. Brasília: Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária / Universidade de Brasília, 2005. 17p.

Fonte: http://www.diabetes.org.br/colunistas-da-sbd/nutricao-e-ciencia/1221-educacao-nutricional-para-adolescentes-com-diabetes-mellitus-tipo-1-relato-de-experiencia

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